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Fome da Batata

Na então conhecida como montanha sagrada (Croagh Patrick), na Irlanda, encontra-se um veleiro tendo em seus mastros representações de esqueletos humanos. Esse veleiro está com sua proa virada para o oeste rumo ao Atlântico.

Essa escultura de metal é um memorial à marcante tragédia da Grande Fome (Fome da Batata) Irlandesa, ocorrida na década de 1840, mais especificamente, entre 1845-1850, embora os efeitos tenham prosseguido além desse período, é claro.  O veleiro com tais esqueletos simbolizam a morte e volumosa imigração decorrentes desse acontecimento trágico.

Em todo curso da história humana, a fome, em algum canto da terra, marcou sua presença. No entanto, a Grande Fome teve suas particularidades que a tornaram, significativamente, cruel.  A estimativa é que houvesse, nesse período, cerca de oito milhões de pessoas na Irlanda. Alguns levantamentos sugerem que até a parte final da tragédia, o que compreende o ano de 1850, cerca de um milhão e meio de pessoas tinham perdido suas vidas em decorrência da fome e mais um milhão havia imigrado para Grã-Bretanha e Estados Unidos.

Durante esse período, os detentores do poder na Irlanda eram os ingleses. Muitos ingleses eram proprietários de terras, embora, em muitos casos, não morassem no país. Estes, sim, eram os maiores proprietários de terra. Cobravam caro pelo arrendamento da terra aos Irlandeses e pagavam pouco pela mão-de-obra. Isso fez com que arrendatários e pequenos agricultores vivessem em total miséria. Como tais pessoas não tinham condições de comprar carne ou algum outro tipo de comida, lhes restavam o que tinha de mais barato, no caso a (batata).  O plantio da batata na Irlanda havia começado mais ou menos há duzentos e sessenta anos. O clima favorecia seu crescimento e o produto em si não exige solo rico em nutrientes. Portanto, era o alimento mais acessível. Esse cenário de dependência única criou a base para posterior desgraça.

 

Existem vários escritores(as) que abordam em seus artigos científicos os perigos atrelados à prática da monocultura (SILVA e MARTINS, 2010; DENTI e REIS, 2001; GASSEN, 2005).

 

Quando a safra de 1845 foi perdida, ninguém se alarmou. Em tempo posterior ao fato, descobriram que o fungo foi o responsável pelo ocorrido. Como o fungo era transportado pelo ar, uma plantação após outra ia sendo devastada. Somente um tipo de batata (Lumper) tinha sido plantado por todo país, de modo que o fungo não encontrava a menor resistência. O fungo seguiu devastando, também, nos anos seguintes. O desemprego foi generalizado. O governo do país criou medidas de socorro, mas não foram suficientes. Entretanto, mal sabiam que o pior estava por vir. O inverno de 1846/47 foi tão rigoroso a ponto de reduzir o trabalho ao ar livre.

Em 1848, os agricultores triplicaram a área plantada. Devido à umidade do verão, a praga atacou mais uma vez. Pela terceira vez, em quatro anos, se perdeu a safra. Os fundos do governo para ajuda humanitária não respaldavam o então crescente número de pessoas necessitadas. Aí vieram as doenças. Tifo, escorbuto e disenteria ceifaram muitas vidas.

Como se ainda houvesse espaço, a impiedade bateu a porta. Os ingleses enxergaram em tudo isso uma oportunidade para acerto de contas referente ao espírito antibritânico demonstrado pelos Irlandeses.  Existem relatos sobre o desdobramento dum quadro paradoxal. Enquanto a inexistência de alimento predominava na mesa de mais de três milhões de pessoas, grandes plantadores ainda exportavam somas volumosas de cereais. Algumas fontes relatam que ouve quem impedisse que alimento vindo do exterior fosse entregue a população. Muitos foram despejados, outros partiam para as cidades na esperança de encontrar uma situação melhor. Em 1849, a cólera matou 36.000 pessoas. Como nem mesmo as cidades Irlandesas produziam algum tipo de esperança, restou-lhes a imigração.

Após o inverno 1846/47, o fluxo de imigração tornou-se uma avalanche. No curso de seis anos de fome, cinco mil navios fizeram a viagem de cinco mil quilômetros cruzando o Atlântico. Navios que rumavam para o Canadá eram chamados de “tumbeiros”, ou caixão. Dezesseis mil pessoas morreram no mar, ou logo após desembarcarem nos portos para onde rumaram.

Embora triste, a epidemia de 1849/50 que ceifou tantas vidas era o começo de mudanças positivas para o país. Gradativamente, as coisas foram melhorando. Dívidas contraídas devido ao período de fome foram canceladas. A praga atacou algumas plantações nos anos seguintes, mas nada que lembrasse de longe os horrores dos anos de 1845/50.

Hoje não é apenas o veleiro da montanha sagrada que faz lembrar aqueles tempos. Casas em ruínas espalhadas pelo país, também, arremetem a isso.

Juntamente à religião, principalmente católica, que os que imigraram para os Estados Unidos causaram maior impacto. Muitos prosperaram, principalmente por serem estudiosos, por terem nível de graduação.

Para se ter uma ideia do tamanho da debandada dos Irlandeses no período da Grande Fome, em 1850, 26% dos então residentes de Nova York eram Irlandeses e, hoje, mais de quarenta milhões de americanos afirmam ter ascendência Irlandesa. Pessoas como Henry Ford e John F. Kennedy possuíam legítimo sangue Irlandês, pois descendiam de pessoas que embarcaram para o exterior nos navios da Grande Fome.

Como exemplo da capacidade humana de superação e que de pedras podem sim nascer flores, hoje a Irlanda ocupa algo como décima segunda posição entre os melhores países do mundo para se viver.

 

Fonte da Citação:

 

DENTI, Eidi Alfredo; REIS, Erlei Melo. Efeito da rotação de culturas, da monocultura e da densidade de plantas na incidência das podridões da base do colmo e no rendimento de grãos do milho. Fitopatol. bras.  Brasília ,  v. 26, n. 3, p. 635-639,  Set. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-41582001000300009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 13 de Dezembro de 2015.

GASSEN, Flávio. Perdas repetidas. Cultivar, Pelotas, p. 42-46, ago. 2005. Disponível em:<http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/71325/1/ID-25583.pdf>. Acesso em: 13 de Dezembro de 2015.

 Museu de Paleontologia da Universidade da Califórnia – UCMP – e o National Center for Science Education (Centro Nacional dos EUA para Ensino das Ciências). A Monocultura e a Grande Fome Irlandesa da Batata: Casos de falta de variação genética.  Disponível em <http://www.ib.usp.br/evosite/relevance/IIAmonoculture.shtml>. Acesso em: 13 de Dezembro de 2015.

Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania. A Grande Fome na Irlanda — Uma epopéia de morte e emigraçãoDisponível em  <http://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/102002726>. Acesso em 13 de Dezembro de 2015.

SILVA, Maria Aparecida de Moraes; MARTINS, Rodrigo Constante. A degradação social do trabalho e da natureza no contexto da monocultura canavieira paulista. Sociologias, Porto Alegre, v. 12, n. 24, p. 196-240, Ago. 2010.   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517- 45222010000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 13 de Dezembro de 2015.

ZANGHETIN, Mileine Furlanetti de Lima. ORTEGA, Henrique. CARRASCO, Liana Barbudo. Falta de sol, doença das batatas e a fome na Irlanda em 1840 (IRELAND). Laboratório de Engenharia Ecológica e Informática Aplicada – LEIA – Unicamp. Campinas, SP, 28 de setembro de 2007. Disponível em <http://www.unicamp.br/fea/ortega/ModSim/ireland/ireland-pt.html>. Acesso em: 13 de Dezembro de 2015.

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