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Contexto Social e Revolta das Carrancas

Já ouviu falar sobre Rio das Mortes? O Rio das Mortes, a que me refiro, está localizado no sudeste Mineiro. As curvas deste rio remetem a fatos do passado e, hoje, em pleno século XXI, continuam a ser historicamente expressivas. O nome do rio está relacionado com a forte correnteza, que por vezes, ceifou a vida de muitos (as) dos (as) que tentaram atravessá-lo a nado.

Independente do motivo que originou o nome, Rio das Mortes, a questão que ressaltamos é a violência de forte impacto social ocasionado nessa região, principalmente durante os séculos XVIII e XIX, tornando-se objeto de estudo de diversos (as) pesquisadores (as).

A violência acontecia em todas as camadas da sociedade, ricos, pobres, homens livres e escravizados, demonstraram um caráter comum na violência, obviamente que por motivos contrapostos. “Richar Burton, que esteve na região da capitania das Minas Gerais em 1867, tece um comentário interessante a respeito” (VELLASCO, 2004, p. 192, apud BURTON, op. cit. p. 331):

Entre os ricos, os homicídios derivam de três causas: terras, questões políticas e ‘negócios do coração’ – um motivo apenas secundariamente mencionado – especialmente quando está em jogo a honra da família, e somente um tiro ou uma facada poderão resolver o caso. Os pobres matam uns aos outros por causa de brigas por questões de terras, perdas no jogo, amor e bebida; a cachaçada termina sempre em derramamento de sangue.

Nota-se que a violência, em defesa da honra ou em qualquer outra situação, não estava ligada a algum grupo ou uma classe específica. Era algo que acontecia entre todas as pessoas, não importando cor ou condição social. A violência servia como imposição pessoal de status e espaço.

É neste contexto, que acontece uma revolta de escravizados, que talvez possamos dizer ser ainda pouco divulgada. Estamos falando da revolta das carrancas.

O regime de escravização massiva imposta aos negros no período das grandes navegações teve suas particularidades. Em comum, praticamente entre todos estes escravizados, independente do continente ao qual haviam sido dispersos, talvez houvesse a tentativa da desumanização e, como kit básico deste processo, faziam parte grilhões e açoites, ou seja, violência.

O processo de adaptação em um outro país, a imposição de trabalho estafante, a dor de perder a família, eram fatores que exigiam força sobremaneira na preservação de aspectos da própria cultura. Tudo isso, e os demais aspectos de violência relacionados nas partes acima do texto, culminam na temática de resistência.

Ninguém consegue conter o espírito de um indivíduo o sufocando dentro dele, quando este o impele à liberdade. Este espírito de liberdade contido dentro de cada ser humano foi o causador de muitas insurreições, que proporcionaram figuração até mesmo entre Espártaco (ou Spartacus) e Carrancas. Em ambos os casos, humanos eram vítimas de violência física e psicológica.

Estas revoltas pontuais, não foram contra o sistema escravagista, mas, em detrimento da liberdade individual.   O caso Carrancas consta de 1833, ocasionado nas fazendas de Campo Alegre e Bela Cruz, onde 36 escravizados envolveram-se em assassinatos contra seus senhores, no dia 13 de maio, e teve como desfecho a morte de nove membros da família Junqueira. O histórico dessa família consta de 1750, com a chegada de João Francisco à região da então comarca do rio das mortes. A família de João Francisco tornou-se grande, bem como suas propriedades, também.

Gabriel Francisco Junqueira, membro da família, passou a ser deputado da província de Minas Gerais no período de 1830 por várias legislaturas, comprovando a influência socioeconômica, dos Junqueira.  Entre o grande número de escravizados que possuíam, “alguns exerciam a atividade de tropeiro e estabeleciam contato frequente com a corte no Rio de Janeiro” (ANDRADE, 1996):

Com isso ficavam sabendo, a seu modo, dos últimos acontecimentos do período das Regências, dos conflitos entre brasileiros e lusitanos e dos significados da liberdade, além de se tornarem responsáveis, não só pelo transporte de mercadorias, mas também de notícias.

A composição étnica desses escravizados era diversificada, mas, decorrente deste fato, não havia nada que os impedissem de rumar num objetivo comum, neste caso, o da vingança e derramamento de sangue.

Entre os escravizados protagonistas do caso Carrancas, podemos citar Ventura Mina, Julião, Domingos, Antônio Resende, João, Cabundá, André, crioulo e José, mina, dentre outros.

No dia 13 de maio de 1833, Gabriel Francisco de Andrade Junqueira, foi à roça para fiscalizar o trabalho dos escravizados, antes do meio dia. Lá chegando, foi morto por Ventura, Julião e Domingos. Depois de deixarem a fazenda Campo Alegre, estes, liderados por Ventura Mina, seguiram para fazenda Bela Cruz. Ao chegarem lá, disseram aos outros escravizados sobre os assassinatos na fazenda Campo Alegre e os convocaram a fazer o mesmo ali. A partir daquele momento o grupo se ampliou e assassinaram todos os brancos dali. Os relatos históricos mencionam indescritível violência relacionada com essas execuções.

Violência gera violência. O sofrimento ao qual eram submetidos como escravizados, provavelmente exerceu forte influência sobre suas atitudes. De qualquer forma, com a ação rápida de fazendeiros e autoridades, ouve um confronto com os revoltosos e a dispersão do bando. Não demorou muito até que os escravizados que sobreviveram ao confronto fossem capturados.

“O registro judicial deste episódio, o relata como crime de insurreição escrava, onde dezessete escravizados foram condenados à pena de morte por enforcamento e executados em praça pública em dias alternados, com cortejo da Irmandade da Misericórdia na vila de São João Del Rei, na antiga rua da forca. Seis foram sentenciados a açoites e ferros, dois a dez anos de galés e outros seis, absolvidos”. (VELLASCO, 2004).

“Mesmo assim, lutas e oposições em favor da liberdade individual ou coletiva seriam uma constante até 13 de maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea e, mesmo após este período” (FAUSTO, 2007).

Em pleno século XXI o que podemos dizer é que, dos grilhões literais, os escravizados do Brasil e seus descendentes se livraram. Mas, no submundo da política imunda deste país, provavelmente em algum lugar, além daqueles onde isto é óbvio, muitos grilhões figurativos sejam preparados e aplicados aos pobres e aos negros, no intuito de manterem bem definidas as distinções das classes e sua manutenção.

 

Fonte da Citação:

 

ANDRADE, Marcos Ferreira de. Massacre em Carrancas. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/?temas=massacre-em-carrancas>. Acesso em: 03 Jun 2017.

ANDRADE, Marcos Ferreira de. Rebeldia e resistência: as revoltas escravas na província de Minas Gerais. Belo Horizonte, FAFICH/UFMG, 1996.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007. Disponível em: < http://www.infoescola.com/historia/abolicao-da-escravidao-no-brasil/>. Acesso em: 03 Jun 2017.

VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura da violência: os crimes na Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais Século XIX. Tempo, Niterói, v. 9, n. 18, p. 171-195,  Junho  2005 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042005000100008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 24 mai 2017. In BURTON, Richard, Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho, B. Horizonte, Itatiaia/São Paulo, Edusp, 1976, p. 331.

 

 

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