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FARAÓS NEGROS DO EGITO – A HISTÓRIA VELADA

O título “Faraós Negros do Egito” pode causar estranheza a quem não está familiarizado com estudos específicos sobre este período. A questão é que o termo alude a um fato histórico pouco divulgado nos meios de comunicação de massa. No Brasil, a comprovação da falta de conhecimento dessa história, torna-se evidente até mesmo nas salas de aulas, haja vista que essa tende a cumprir o seu papel de “disciplinar e governar os sujeitos modernos, dispensando o uso da violência” (VALEIRÃO & OLIVEIRA, 2009).

Contudo, a inserção de temáticas relacionadas ao continente africano na grade curricular pode colaborar com a quebra de determinados tabus e contribuir para o conhecimento da história dos nossos antecedentes, tal como aponta Sagredo (2015, p.2), para quem […] “com o ensino da disciplina História da África nas escolas, deve-se refletir sobre a recepção, percepção e escolha de representações sobre o Egito”  o que inclui a existência dos Faraós Negros, no comando do império egípcio.

A história dos Faraós Negros começa no “Sudão” onde há um segmento do Deserto do Saara conhecido como Deserto da Núbia. Essa extensão territorial está no norte do continente africano. A Núbia tornou-se ponto de fusão entre a África negra e Egito Antigo. Kendall (2010, N.p, tradução nossa) relata que

Quando os egípcios conquistaram o norte do Sudão (Kush / ”Upper Nubia”) no início da Décima Oitava Dinastia (cerca de 1504 aC), eles identificaram Jebel Barkal como o local de nascimento e principal residência do sul de seu deus de estado, Amon. Como parte de seu programa de conquista, eles estabeleceram o culto de Amon em muitos lugares na Núbia, mas Jebel Barkal parece ter tido uma importância única para eles como um local de criação e lar de um aspecto primitivo de Amon que renovava a vida a cada ano com a inundação do Nilo.

Dado o contexto é preciso considerar que se trata de uma história que arremete há mais de 4.000 anos, com vestígios materiais suficientes para o estabelecimento de pesquisas sólidas sobre a temática, mesmo sobre as questões míticas incorporadas a tradição egípcia. Dentro dessa cosmologia, o faraó era considerado como divindades encarnadas e a sua condição de líder atribuída por poder divino, quase inquestionável.

Segundo o arqueólogo, Kendall (G1, 2017, N.p), essa tradição teria iniciado quando “os egípcios subiram o Nilo centenas de quilômetros em busca da origem do rio e da vida”. E, foi nessa viagem de três meses que encontraram a montanha de “Jebel Barkal”, situada às margens do Nilo, numa região conhecida como Núbia, que era habitada por povos nilóticos negros.

Conforme Kendall (G1, 2017, N.p), para os egípcios “Se o rio saia dali de onde vinha à fertilidade da terra do Egito, deveria haver uma divindade nesse lugar” e a montanha de Jebel Barkal se “encaixava perfeitamente na mitologia que dizia que o deus Amon nasceu da primeira montanha formada na terra” e “durante mil anos, Jebel Barkal, situada na Núbia, foi o ponto de confirmação do poder divino” dos faraós egípcios estabelecidos pelos povos negro da África subsaariana que assumiram a cultura egípcia, um vez que,

Quando [os egípcios] saíram, deixaram para trás um reino organizado, seguindo os deuses e as culturas do Egito. Tempos depois, convictos de que eram os legítimos senhores de todo o vale do Nilo, os reis da Núbia partiram para conquistar o Egito e fundar a dinastia dos faraós negros, que reinaram por um século (G1, 2017, N.p).

Os estudos de Kendall (G1,2010, N.p), apontam que os reis núbios passaram a acreditar que o seu poder vinha diretamente do deus Amon, na montanha sagrada de Jebel Barkal que encontrava-se dentro do seu próprio território e seriam então os legítimos Senhores de todo o vale do Nilo, iniciando uma descida do rio Nilo para conquistar o Egito e fundar a dinastia dos faraós Negros, da Núbia.

Gonçalves (S.d., N.p), relatando algumas particularidades desse momento,  menciona que “Em 770 a.C., Piye, rei da Núbia, empreendeu uma investida militar” […] contra o Egito, “travando batalhas ao longo de quase um ano, Piye tornou-se o primeiro faraó negro do Egito”. Kendall (2010, N.p, tradução nossa) nos diz que não houve “derramamento de sangue” pois,  “através da autoridade oracular combinada de Amon de Jebel Barkal e Amon de Karnak” foi que os reis núbios assumiram o trono ‘egípcio superior’.

Piye passaria a ser conhecido como, Senhor das Duas Terras, ou seja: Egito e Núbia e ao falecer, deixou o trono para seu irmão Shabaka, o mais poderoso faraó negro, que estabelecendo uma aliança com os hebreu, ajudou Jerusalém a conter uma invasão Assíria. Pois,

Preocupados com o avanço do Império Assírio, […] os núbios formaram um exército que deveria conter a dominação assíria sobre as cidades de Eltekeh e Jerusalém. Apesar de não existirem detalhes mais claros sobre essa batalha, relatos dão conta de que o então rei assírio Senaqueribe recuou suas tropas, dando vitória à aliança militar dos hebreus e núbios. Segundo alguns historiadores, graças à contribuição militar núbia, a civilização judaica usufruiu de um longo período em que consolidou suas principais tradições culturais e religiosas (GONÇALVES, S.d., N.p).

O faraó Shabaka como rei negro do povo cuche do sul do Nilo, completou a invasão Núbia do Egito, derrotou os inimigos e corou-se faraó Pepi II com seu trono em Tebas. A partir desse momento a dinastia cushita continuaria por 52 anos como dominantes.

Cabe lembrar que os Núbios haviam sido “escravos dos egípcios por dois milênios” (SUPER interessante, 1997, N.p), mas, após assumirem o controlo do Egito, “Os faraós negros reunificaram o Egito, que se encontrava com o poder e o território fragmentado, realizaram grandes feitos e construíram monumentos grandiosos” (G1, 2017, N.p).

A história aponta que as relações culturais estabelecidas no nordeste da África, neste período, não eram pautadas na segregação racial,

O governo dos faraós negros no Antigo Egito demonstra que no mundo antigo não existia o racismo. No período em que o faraó Piye conquistou todo o Egito, o fato de sua pele ser negra não era um fator relevante. A escravidão, na Antiguidade, não tinha cunho racial, as pessoas se tornavam escravizadas por dois principais motivos: ou eram prisioneiras de guerra ou se tornavam escravas por dívidas (G1, 2017, N.p).

O povo Núbio, eram negros africanos que absorveram a cultura egípcia, incorporam à sua e retomaram, com estilo próprio, a construção de pirâmides, mil anos depois de elas terem sido abandonadas pelos egípcios. Segundo dados arqueológicos, Napata, a capital Cuche no pé da montanha sagrada de Jebel Barkal, chegou a ter 94 pirâmides (G1, 2017, N.p).

Durante a dinastia cuchita, os faraós negros reinaram em Mênfis e Tebas, cidades egípcias. Mas, ao falecer, eram sepultados em Napata e Meroe, sendo em Meroe, a maior concentração de pirâmides do mundo com, “117 pirâmides” (G1, 2017, N.p). Napata, considerada a capital religiosa, ganhou um Templo de Amon, além de monumentos e estátuas. Em 2003, dado sua importância histórica, a “Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), inseriu Napata na lista do patrimônio mundial” (UNESCO, 2003, N.p).

As pirâmides Cuche, tinham em média, 12 metros de largura por 15 de altura. Eram bem menores que as egípcias: Quéops, a maior de todas, tem 230 metros de largura por 147 de altura. Os cuches cultuavam deuses egípcios e subsaariano, eram fazendeiros, comerciantes e tinham uma avançada metalurgia alimentada a lenha.

Segundo Gonçalves (S.d., N.p), “A ascensão de faraós negros no Egito trouxe à tona a supremacia de uma civilização africana [questionando a ideologia] dos pensadores e historiadores do século XIX, que colocavam os povos africanos enquanto sinônimo de atraso”. Kendall (G1, 2017, N.p) diz que o real motivo dessa história tão importante ser latente, foi o racismo existente entre os estudiosos do século XIX. Ramos (2018, N.p) ainda nos diz que os faraós negros, foram “vítimas de preconceito arqueológico”.

Porém, o testemunho ocasionado pelo processo de vida de tais faraós, seu significado e importância social para os dias atuais, evidenciam que, embora essa ainda seja uma história velada, de maneira alguma ela será apagada do passado e do presente.

Coautor: Luana Campos.
Docente do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural (PEP/MP/IPHAN), Brasil.

 

Referências:

 

CARVALHO, Leandro. Faraós negros do Egito Antigo. Brasil Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/historiag/faraos-negros-egito-antigo.htm>. Acesso em: 07 abril. 2018.

Gebel Barkal e os sites da região de Napatan. In: UNESCO, United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. Disponível em: <https://whc.unesco.org/en/list/1073>. Consultado em: 18 Mai. 2018.

KENDALL, Timothy. Jebel Barkal, History and Archaeology of Ancient Napata. In: National Corporation of Antiquíties and Museums (NCAM), Sudan. Disponível em: <http://jebelbarkal.org/>. Consultado em: 18 Mai. 2018.

RAMOS, Iuri. A Dinastia dos Faraós Negros. In: Revista Superinteressante. 2018. Disponível em: <https://super.abril.com.br/historia/a-dinastia-dos-faraos-negros/>. Acesso em 15 mai. 2018.

Sudão guarda pirâmides da dinastia de faraós negros dos reinos da Núbia. In: G1. 2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/fantastico/quadros/A-Jornada-da-Vida/noticia/2017/10/sudao-guarda-piramides-da-dinastia-de-faraos-negros-dos-reinos-da-nubia.html>. Acesso em: 16 Mai. 2018.

VALEIRÃO, Kelin & OLIVEIRA, Avelino R. A escola enquanto instituição disciplinar. Site CECIERJ, 2009. Disponível em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0224.html>. Consultado em 23 fev. 2018.

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